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Meu reino não é deste mundo (ESE, Cap. 2, item 1)

ITEM 1. JOÃO, 18: 33,36 e 37


Pilatos, então, entrou novamente no pretório, chamou Jesus e lhe disse: Tu és o rei dos judeus? Respondeu Jesus: o meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse desse mundo, os meus servidores teriam combatido para que {eu} não fosse entregue aos judeus. Agora, porém, meu reino não é daqui. Disse-lhe, então, Pilatos: Sendo assim, tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu fui gerado para isso, e para isso vim ao mundo, a fim de testemunhar a Verdade. Todo aquele que é da Verdade ouve a minha voz (João, 18: 33,36 e 37).


Voltando um pouco

Podemos começar contando a história de Pilatos voltando alguns anos antes, ao tempo de Rei Herodes, aquele mesmo que segundo a tradição ordenou o infanticídio das crianças menores de dois anos de idade, ao saber do nascimento de uma certo Rei que as profecias judaicas anunciavam.

Este Herodes que reinava em toda a Palestina, antes de desencarnar no ano 4 a.C deixou estabelecido que seu reino seria dividido entre seus filhos. A imagem a seguir mostra como esse reino ficou organizado entre os filhos Arquelau, Herodes Ântipas e Felipe.

Divisão dos reinos de Herodes entre seus filhos [1]

É na região herdada por Arquelau que toda a história que envolverá Pilatos de desenrola. É na região da Judeia que está a cidade de Jerusalém, onde historicamente sempre houve conflitos e disputas entre os judeus e o domínio romano.

Arquelau demonstrou não ser um bom governante o que levou a uma série de revoltas e reclamações dos judeus que enviaram várias comitivas a Roma tentando depô-lo do cargo, o que não surtiu efeito imediato. O fato é que desde o início o governo foi instável, o que acabava por preocupar as autoridades da capital do império.


Em Roma surge um certo General

O império Romano foi marcado pelas conquistas e espólios das zonas dominadas que visavam acima de tudo garantir as riquezas e a manutenção do estilo de vida da capital.

Aqueles que auxiliavam nas conquistas e expansão acabavam por receber as homenagens e o reconhecimento do Imperador. Um desses militares foi um certo general que se começara a se destacar na carreira, chamado Pôncio Pilatos.

Lucius, na trilogia com André Luiz Ruiz sobre a vida do Espírito Pilatos, desde no tempo de Jesus e as encarnações posteriores onde iniciou sua recuperação [2,3,4] fala de seu estilo de governar centrado nos ganhos pessoais acima da justiça nas decisões e o relacionamento imoral com os judeus que lhes ofereciam facilidades para dar expansão a seu distúrbio do comportamento sexual em troca de preferências quando surgiam oportunamente, como vamos ver no caso do pseudojulgamento de Jesus.

Quando esta personalidade surge em Roma, casado com a virtuosa Claudia, começa a despertar, por seu comportamento leviano, desconforto e críticas da sociedade, em especial por afetarem a família de sua esposa.

Este “trabalho” que Pilatos dava aos romanos na capital do império teve como dupla solução sua promoção a preposto do imperador na região da Judeia, onde as instabilidades continuavam.

É este o juiz que estará frente a frente com Jesus no momento definitivo de sua vida espiritual.


Pilatos não foi capaz de compreender Jesus

São dois mundos que se encontram: o material e o espiritual, o doa fatos visíveis e da verdade eterna, o temporário e o definitivo.

Quando o Cristo afirma que seu reino não é deste mundo está falando de uma outra realidade, bem diferente daquela que Pilatos, na posição de rei/governador conhece.

Ali em seu tribunal, Pilatos só conhece o conchavo, os acordos de bastidores, os favores, a força acima do direito, enfim, a justiça dos fortes e poderosos.

Afirmando que seu reino é diferente deste, Jesus apresenta que fora dos domínios materiais, existe uma realidade onde a justiça verdadeiramente existe, no qual o bem acima de tudo preside. Portanto, não pode ser comparado ao que há no mundo até então.


Missão de Jesus

Diz ainda o Cristo “para isso vim ao mundo, a fim de testemunhar a Verdade”. Isto é, mostrar sem que fique dúvidas a vida espiritual! No evangelho segundo o Espiritismo, Kardec e os Espíritos usam sempre o termo vida futura para falar da visa espiritual. O Evangelista utiliza o termo Verdade para apontar o que é absoluto em contraposição ao irreal ou passageiro

Assim, quando Jesus responde dizendo “aquele que é da Verdade ouve a minha voz”, podemos entender: quem tem a inclinação às coisas espirituais, aquele que entende a existência do espírito, a temporariedade da vida material, estes são os capazes de o compreender.

Quer dizer, com educação e caridade responde para Pilatos que não importa explicar ou dar qualquer demonstração do mundo espiritual ou de sua missão, o governador não poderia compreender, visto estar ainda preso aos sentimentos e interesses materiais.


Cantando o reino de Jesus

O poema de João de Deus, que dá título ao primeiro livro psicografado por Chico Xavier, Parnaso de além-túmulo[5] tem em sua primeira estrofe a expressão poética deste reino que Jesus se referiu quando estava em frente a Pilatos:

Além do túmulo o Espírito inda canta
Seus ideais de paz, de amor e luz,
No ditoso país onde Jesus
Impera com bondade sacrossanta.

O reino de Jesus é além do túmulo, no mundo dos Espíritos. Nele, o reino é governado com bondade. E ali, neste reino, tudo que é criado é para falar e nos inspirar ao amor de Deus e prática do bem.


Meus servidores teriam combatido...

É notável esta fala de Jesus. Embora governador espiritual na terra [6] ele não se vale em nenhuma ocasião do uso da força ou qualquer outra demonstração de poder para convencer.

Isso nos leva a pergunta: como seria, ou como é, o combate que os servidores de Jesus fazem, liderados por ele próprio? Isso nos remete a passagem famosa em que ensinou “se alguém lhe bater em uma face, ofereça também lhe a outra”.[7]


Expressão explicada pelos Espíritos no Evangelho [8] como sendo a de oferecer em retribuição o bem, o perdão, a compreensão, a indulgência, a paciência. Eis as armas de combate sugeridas pelo Cristo àqueles que são ou que pretendem ser seus servidores, os Cristãos.

Desta forma, não é compatível qualquer iniciativa em defesa do Cristo que use da violência, imposição, força, ódio... ou qualquer destes sentimentos.

Ao longo dos séculos o mecanismo usado pelo próprio Cristo na direção do nosso orbe tem sido o da paciência e da indulgencia em relação ao nosso estado moral pouco adiantado que, senão, pouco a pouco nas sucessivas encarnações vai sendo aperfeiçoado na direção de Deus, onde Jesus nos aguarda.


Agora, porém, meu reino não é daqui

Para esta parte, algumas traduções usam a expressão meu reino ainda não é daqui, presente em inúmeras reflexões espíritas. As duas formas nos permitem entender que naquele momento este reino ainda não era possível existir.

Ora, se naquele momento não era possível, no futuro sim. Daí alguns dizerem, ainda não é daqui. Isto está em sintonia com todas as revelações da codificação em especial as de Santo Agostinho que fala da progressão dos mundos, incluindo a terra avançando para o estágio chamado mundo regenerador (ou de regeneração, como alguns chamam). Esta revelação de Jesus quanto ao planeta terra é explorada no cap. 3 de O Evangelho segundo o Espiritismo.

Isto posto, devemos lembrar sempre que o reino de Jesus se fará na terra. No entanto, sem preterir a contribuição de cada um de nós na obra de construção desta felicidade. Com base nisto, no livro Pão Nosso [9] Emmanuel comenta, em seu capítulo 133, que:



Desde os primórdios do Cristianismo, observamos aprendizes que se retiram deliberadamente do mundo, alegando que o Reino do Senhor não pertence à Terra.

Ajoelham-se, por tempo indeterminado, nas casas de adoração e acreditam efetuar na fuga a realização da santidade.

Muitos cruzam os braços à frente dos serviços de regeneração e, quando interrogados, expressam revolta pelos quadros chocantes que a experiência terrena lhes oferece, reportando-se ao Cristo, diante de Pilatos, quando o Mestre asseverou que o seu Reino ainda não se instalara nos círculos da luta humana.

No entanto, é justo ponderar que o Cristo não deserdou o planeta.

A palavra d’Ele não afiançou a negação absoluta da felicidade celeste para a Terra, mas apenas definiu a paisagem então existente, sem esquecer a esperança no porvir.

O Mestre esclareceu: “Mas agora o meu Reino não é daqui.” Semelhante afirmativa revela-lhe a confiança.

Jesus, portanto, não pode endossar a falsa atitude dos operários em desalento, tão só porque a sombra se fez mais densa em torno de problemas transitórios ou porque as feridas humanas se fazem, por vezes, mais dolorosas.

Tais ocorrências, muita vez, obedecem a pura ilusão visual.

A atividade divina jamais cessa e justamente no quadro da luta benéfica é que o discípulo insculpirá a própria vitória.

Não nos cabe, pois, a deserção pela atitude contemplativa, e sim avançar, confiantemente, para o grande futuro.


Este reino, portanto, onde a bondade, a fraternidade e o respeito a todos existem sem mácula é edificação para o futuro, que se avizinha, mas como fruto das lutas e modificações íntimas em cada um de nós.


Ainda a Verdade

Neste momento que está frente a frente com Pilatos, Jesus faz a afirmação que já comentamos acima sobre testemunhar a verdade. Lembremos as máximas do sermão do monte, em especial o bem-aventurados os aflitos.

Classifica a todos que sofrem como felizes, abençoados. No entanto, impossível é compreender a felicidade e sofrimento juntos, sem ter em mente o ponto de vista da vida espiritual.

Como explicam os Espíritos, em todo o cap. 5 do Evangelho segundo o Espiritismo, os sofrimentos têm uma causa justa e são a dívida contraída no passado que vai sendo nas vidas sucessivas amortizada até a quitação completa.

Seu testemunho da verdade é aquele contado na parábola de Neio Lucio no livro Jesus no Lar, em seu cap. 25, intitulado A visita da verdade, [10] que simplificamos para apresentar aqui:


Numa caverna escura, onde a claridade nunca surgira, demorava-se certo devoto, implorando o socorro divino.

Declarava-se o mais infeliz dos homens, não obstante, em sua cegueira, sentir-se o melhor de todos.

Reclamava contra o ambiente fétido em que se achava.
Pedia uma porta libertadora que o conduzisse ao convívio do dia claro.

Chorava e bradava, não ocultando aflições e exigências.
Que razões o obrigavam a viver naquela atmosfera insuportável?

Notando nosso Pai que aquele filho formulava súplicas incessantes, entre a revolta e a amargura, profundamente compadecido enviou-lhe a Fé.

A sublime virtude exortou-o a confiar no futuro e a persistir na oração.
O infeliz consolou-se, de algum modo, mas, a breve tempo, voltou a lamuriar.

Queria fugir ao monturo e, como se lhe aumentassem as lágrimas, o Todo-Poderoso mandou-lhe a Esperança.

A emissária afagou-lhe a fronte suarenta e falou-lhe da eternidade da vida buscando secar-lhe o pranto desesperado.

Para isso, rogou-lhe calma, resignação, fortaleza.
O pobre pareceu melhorar, mas, decorridas algumas horas, retomou a lamentação.

Condoído, determinou o Senhor que a Caridade o procurasse.

A nova mensageira acariciou-o e alimentou-o, endereçando-lhe palavras de carinho, qual se lhe fora abnegada mãe.

Todavia, porque o mísero prosseguisse gritando, revoltado, o Pai compassivo enviou-lhe a Verdade.

Quando a portadora de esclarecimento se fez sentir na forma de uma grande luz, o infortunado, então, viu-se tal qual era e apavorou-se.

Seu corpo era um conjunto monstruoso de chagas pustulentas da cabeça aos pés e, agora, percebia espantado, que ele mesmo era o autor da atmosfera intolerável em que vivia.

O pobre tremeu cambaleante e, notando que a Verdade serena lhe abria a porta da libertação, horrorizou-se de si mesmo.

Sem coragem de cogitar da própria cura, longe de encarar a visita, frente a frente, para aprender a limpar-se e a purificar-se, fugiu, espavorido, em busca de outra furna onde conseguisse esconder a própria miséria que só então reconhecia.


O esclarecimento de nossa condição de sofrimento, portanto, decorre da imprevidência no passado que nos levou a delitos que hoje em infinitas formas se apresentam para o ajuste e o aprendizado necessários para, enfim, cada um de nós nos purificarmos das chagas morais que nos sufocam o bem-estar e a felicidade.



Referências

[1] Imagem do blog http://adalbernardes.blogspot.com/2018/12/

[2] Ruiz AL, Lucius. O amor jamais te esquece (livro eletrônico). 14a ed. Araras, SP: IDE; 2009.

[3] Ruiz AL, Lucius. Sob as mãos da misericórdia (livro eletrônico). 4a ed. Araras, SP: IDE; 2008.

[4] Ruiz AL, Lucius. A força da bondade (livro eletrônico). 7a ed. Araras, SP: IDE; 2008.

[5] Xavier, FC, Emmanuel. Parnaso de além-túmulo (poesias mediúnicas). 19o ed. Brasília, DF: FEB; 2016.

[6] Xavier, FC, Emmanuel. A caminho da Luz. 38a ed. Brasília, DF: FEB; 2013.

[7] Lucas 6:29.

[8] Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo: Texto Integral (Série Espírita Livro 3) (p. 46). Edição do Kindle.

[9] Xavier, Francisco Cândido. Pão Nosso (pp. 279-280). Federação Espírita Brasileira. Edição do Kindle.

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